quarta-feira, 31 de março de 2010

Reflexões sobre o Candomblé - Capítulo - 1

Nossa formação filosófica,humana,holística é a consequência da integração de heterogêneos conceitos,critérios,críticas,dos quais o Candomblé é um dos mais significativos.
O Candomblé é atualmente uma religião afro-brasileira,muito menos afro e muito mais brasilei-
ra do que gostariam os inventores da diáspora negra.
O Candomblé é uma aculturação religiosa africana acontecida e existente só no Brasil.
Depurada de sua impositiva liturgia exotérica,dogmática,alienante,pluralista e personal,o Can-
domblé emerge como uma doutrina esotérica,deista,empírica,libertária,teúrgica e magista,favo-
recendo o conhecimento e o domínio dos ímpulsos do ego e dos ímpulsos do sexo,no decorrer da
vida humana.
O simbolismo mítico do Candomblé atenta para um dos mais complexos enigmas do psiquismo,
de que a sobrevivência místico religiosa é idiossincrática e dependente da vontade individual
ativa,dinâmica e numinosa.
A vontade coletiva é a morte em vida.
Os Irunmalês
Os Irunmalês dividem-se em Divinos,associados à criação da natureza cósmica,e Ancestres,
associados à história dos seres humanos.
Os Irunmalês Divinos são ancestres divinizados,homens e mulheres da clã que,em razão de
uma vida além dos limites do comportamento humano comum,foram miticamente identifi-
cados com as manifestações da natureza,e cultuados pela própria clã,até se tornarem objeto
de culto coletivo de toda uma comunidade.
Os Irunmalês Divinos dividem-se em Orixás,que são os quatrocentos masculinos da direita,
e Eborás,que são os duzentos femininos da esquerda.
Os Orixás formam o grupo dos Funfún,do branco,do qual Obatalá é o irunmalê supremo,e o
símbolo coletivo e extensivo da massa de ar com água,um dos dois componentes gênese da
origem da natureza cósmica;do poder gerador e do poder ancestral masculinos;da matéria geradora masculina,complemento fecundador para o nascimento das criaturas.
Os Orixás são portadores e transmissores do fluido branco(água) do Axé.
O branco é o símbolo do poder gerador feminino e masculino.
Os Eborás formam o grupo dos de branco,preto,vermelho e os matizes,do qual Oduduwá é o
irunmalê supremo,e o símbolo coletivo e extensivo da massa de ar com terra e água,um dos
dois componentes gênese da origem da natureza cósmica;do poder gerador e do poder ances-
tre femininos;da matéria geradora feminina,preponderante fecundada,que dá nascimento às
criaturas.
Oduduwá,em razão dos seus três poderes:gerador feminino(água-branco),gestatório fecun-
dado(terra-preto) e menstrual fertilizador(sangue-vermelho) é um orixá e um eborá.
Os Eborás são portadores e transmissores do fluido branco,preto e vermelho do Axé.
Os Irunmalés Ancestres são homens e mulheres,antepassados da clã que,em razão de uma
personalidade carismática influente através do atavismo,foram identificados como espíritos
protetores,e cultuados pela própria clã,até se tornarem objeto de culto coletivo de toda uma
coletividade.
Os Irunmalês Ancestres dividem-se Eguns,que são os masculinos da direita,da sociedade
Egugúns,e Iyá Agba,que são os femininos da esquerda,da sociedade Geledê.
Os Eguns tem um símbolo individual e um coletivo,ambos vinculados à terra.Os Eguns indi-
viduais são espíritos de antepassados conhecidos pelo próprio nome e cultuados pelos des-
cendentes,durante suas aparições materializadas nas cerimônias Egugúns.
As Iyá Agba só tem símbolos coletivos;mesmo os nomes singulares das Iyá Agba são símbo-
los da totalidade dos espíritos femininos.
As Iyá Agba são representações míticas,místicas e diretas da Oduduwá.
Símbolos coletivos da Iyá Agba:
-Igba-a cabaça da vida,símbolo do grande ventre fecundado;
-Eyê-o pássaro vermelho,símbolo do poder da Iyá Agba,símbolo do ser procriado,contido
na Igba;
-Ekodidé-penas vermelhas do Odidé,o pássaro vermelho,símbolo do sangue menstrual,con-
tido na Igba;
-Ovo-símbolo específico das Iyá Agba;
-demais-terra,água,lama,caurí.
A Iyá Agba,possuidora da Igba é chamada de Eleyê(elê-senhora,eyê-pássaro)(senhora do
pássaro e da cabaça da vida).
Oferendas:água,terra,sementes.
Assentamento-na terra.
Todas as eborás são Iyá Agba.
As Eborás,Iyá Agba das águas,Mãe das águas.
As que realizam o ciclo das reencarnações dos seres humanos.
Oxún:da água doce tranquila-cuida do ser humano desde o momento da fecundação,como
embrião,até o momento em que,como criança,começa a falar.
Iemanjá:da água salgada tranquila e agitada-cuida do ser humano desde o momento em que,
como criança,começa a falar até o momento de sua morte em qualquer idade.
Iansâ:da água de chuva em tempestade-cuida do ser humano desde o momento de sua
morte até o momento em que começa a se preparar para a nova reencarnação.
Nanâ-Burucú:da água com terra,a lama-cuida do ser humano desde o momento em que come-
ça a se preparar para a nova reencarnação até o momento da fecundação,como embrião.
Outras Iyá Agba das águas.
Ewá:da água doce das nascentes límpidas.
Obá:da água doce agitada das corredeiras.
Existem narrativas míticas,os itans,que evidenciam o predomínio do poder gerador de
Oduduwá-Iyá Agba e a complementação do poder gerador de Obatalá,na criação da natu-
reza cósmica,
Entretanto,em outros itans,Obatalá é conduzido à supremacia,em consequência da expansão
inexorável do patriarcado,reação civilizadora,que começou desde de o período neolítico
até a atualidade.
Com a civilização Yoropana não foi diferente,agravado por inflluências e interesses culturais
e econômicos alienígenas e conspurcadores da colonização européia e da escravatura
americana.
Porém,nesta vida de eternas transformações,a modernidade das pesquisas informatizadas,
prejudicando a censura ao conhecimento irrestrito,contribuiu,através da análise racional e
empírica,para a restauraçãoda verdade relativa,imanente e transcendente,de que:
Olorún,como Suprema Substância,absoluta e relativa,física e abstrata,positiva e negativa,
individual e coletiva,na sua manifestação maternal mais sublime,preponderantemente femi-
nina e complementarmente masculina,a si mesmo se auto fecunda para gerar a essência
gênese da natureza còsmica.
Dedução lógica
A Suprema Substância é o núcleo da energia molecular imanifesta formada pelas partículas positiva,negativa e neutra,que pode transformar-se em positiva ou negativa.
Num determinado impulso da vontade,a Suprema Substância provoca a fusão da partícula positiva com a neutra negativada gerando a energia propulsiva;a fusão da partícula negativa com a neutra positivada gerando a energia receptiva;e a fusão das energias propulsiva e receptiva gerando o núcleo da energia molecular manifesta,dotada de forma física,dimensões e existência individual,a natureza cósmica.
O núcleo de energia molecular imanifesta foi chamado de Olorún;a energia propulsiva de Obatalá;a energia receptiva de Oduduwá;e o núcleo de energia molecular manifesta de Exú.
O que acontece no macrocosmo da natureza acontece no microcosmo das partículas subatômicas.
Esta constatação é a reconquista da liberdade de culto da Oduduwá Iyá-mi Agba,Minha Mãe
Deusa Eterna,como manifestação feminina da Suprema Substância.
O culto da Oduduwá Iyá-mi Agba é o culto da maternidade,da qual a mulher,com seu ventre,ovário,útero,trompas,placenta e menstruo,é o símbolo da manifestação da vontade criadora da Suprema Substância.
Representações da Oduduwá Iyá-mi Agba,mães primordiais,fontes expontâneas da essência gênese,a Lama,da qual fazem nascer suas descendências míticas.
Iyá-Nla:mãe do Exú Iangí,o primogênito do universo.
Odú Logbojê:mãe dos Orixás e dos Eborás.
Olorí Iyá Agba Ajé Eleyê:mãe das mães ancestres Eleyê.
Iewajobí Iyá-mi Iyá:mãe das mães ancestres.
Oxún Olorí Eleyê:eborá suprema das mães Eleyê;a qual,manipulando o poder gerador dos
dezesseis Irunmalês Odú Agba,faz nascer seu filho Exú Oxetuá de Akin Oxó,17º Irunmalê
Odú Agba,o guardião do Axé das Iyá-mi Agba.
Mães Ancestres
Iyá-mi Oxorongá,minha mãe,senhora da criação e da transformação.
Iyá-mi Ajé,minha mãe,senhora poderosa.
Iyá-mi Agba,minha mãe,senhora anciã e respeitável.
A Oduduwá Iyá-mi Agba Ajé Eleyê é determinante na formação do Orí,cabeça-mente,do ser
humano.
Orí
A essência gênese,a Lama,é a manifestação da Suprema Substância,com a qual os Irunmalês
Divinos,através do Eledá e do Iporí,criam seres humanos.
Eledá é a essência gênese física,a Lama física.
Iporí é a essência gênese abstrata,a Lama abstrata.
O ser humano,ao ser criado,com Eledá e com Iporí,recebe duas vidas:a do Aiyê,plano físico,
através do seu Ará-Aiyê,corpo físico,e a do Orún,plano abstrato,através do seu Ará-Orún,
corpo abstrato.
O Ará-Aiyê e o Ará-Orún tem duas partes inseparáveis:o Orí,cabeça-mente,e o seu Aperê,
suporte,formando o Orí-Aiyê e o Orí-Orún,as quais só terão vida após terem recebido,de
Olorún,o Emí,respiração.
O Ará-Aiyê é formado com o Eledá,cujos Irunmalês Divinos são chamados de Eledá
(elê-senhor,edà-ser vivo)(senhor dos seres vivos).
O Orí-Aiyê é formado com o Iporí,cujos Irunmalês Divinos são chamados de Olorí
(olô-senhor,orí-cabeça mente)(senhor da cabeça-mente).
O Ará-Orún e o Orí-Orún,sendo abstratos,são representados pelos seus dublês físicos.
A cabeça é a parte física do Orí-Aiyê,composto pelo crânio e encéfalo.
A mente é a parte funcional do Orí-Aiyê,composto das atividades do encéfalo.
O Orí-Aiyê divide-se em Orí-Odé e Orí-Inú.
O Orí-Odé é a atividade física do encéfalo:processos e operações dos componentes
orgânicos do corpo humano.
O Orí-Inú é a atividade abstrata do encéfalo:processos e operações dos componentes
psíquicos da mente humana.
Quando da gestação,o primeiro orgão a se manifestar é o Orí-Aiyê da gestante.
Durante a gestação,o primeiro orgão a se desenvolver é o Orí-Aiyê do embrião.
O Orí é um irunmalê divino individual que será cultuado.
O ser humano,ao nascer, escolhe seu Orí e o seu Odú(destino),e nesta escolha está implicita
a Iyá-mi,o Exú Bará,o Eledá,o Iporí e o Odú Agba.
A potência mística,teúrgia e magista da liturgia individual do Candomblé está no culto integrado
da Iyá-mi,do Exú e do Orí,face a interagibilidade desses tres irunmalês divinos.
Tanto Obatalá como os demais Eledás,Olorís e Odús são venerações complementares inpres-
cindíveis.

Conclusão

Nas suas remotas origens,a cultura religiosa das diversas nações yorobanas era fundamentada
numa liturgia mística,teúrgia e magista essencialmente individualista.
Na atualidade,a despeito das ocultações viciosas da classe sacerdotal dominante,o Candomblé
revela,nas suas entrelinhas doutrinárias,que a volta às origens está na individualização mística,teúrgia e magista do culto,a qual só poderá ser praticada através da alteração psíquico
introspectiva da consciência,enquanto o adepto fôr o senhor virtuoso,numinoso e radical da sua
razão,vontade,sentimentos e emoções.
Hárifhat, o poeta sufí do deserto.
Roberto Faria Cortijo:Analista:Contato:tel.25644797-Santo André -SP
robertofariacortijo@yahoo.com.br
robertofariacortijo@gmail.com